quinta-feira, 31 de maio de 2007

Epilepsia: origem demioníaca ou neurológica?


A palavra epilepsia deriva do verbo grego epilamvanein, que significa ser atacado. Esta terminologia deriva da ideia de que a epilepsia representava os ataques dos deuses, ou de espíritos malévolos como castigo.

Em 400 a.C., Hipócrates demonstrou que a epilepsia era uma doença cerebral, cujo tratamento deveria ser feito através de uma dieta e medicamentos adequados, deixando de ser uma doença vista à luz da religião. Os conceitos mais recentes sobre epilepsia advieram dos trabalhos de médicos e cientistas em meados do século XIX, John Hughlins Jackson estabeleceu a diferença entre as categorias das crises, cada uma com a sua própria fisiologia e semiologia, distinguindo-se assim na abordagem científica para o estudo do fenómeno da epilepsia.

A epilepsia não é uma doença específica, nem mesmo uma síndrome individual, é antes uma vasta categoria de sintomas complexos resultantes de disfunções cerebrais. Estas desordens orgânicas podem ser secundárias a uma variedade de processos patológicos. Uma das particularidades relevantes que caracterizam a epilepsia é o ataque epiléptico que pode ser definido como um episódio de confusão de sentimentos, de movimentos e de consciência causados por uma excessiva descarga eléctrica no córtex cerebral de uma forma repentina e anormal. Estes ataques podem ser consequência de anormalidades estruturais, metabólicas e funcionais, de uma vasta panóplia de doenças genéticas e outros.

A guerra dos neurónios


A epilepsia não é uma doença específica, nem mesmo uma síndrome individual, é antes uma vasta categoria de sintomas complexos resultantes de disfunções cerebrais. Estas desordens orgânicas podem ser secundárias a uma variedade de processos patológicos.

Uma das particularidades relevantes que caracterizam a epilepsia é o ataque epiléptico que pode ser definido como um episódio de confusão de sentimentos, de movimentos e de consciência causados por uma excessiva descarga eléctrica no córtex cerebral de uma forma repentina e anormal. Estes ataques podem ser consequência de anormalidades estruturais, metabólicas e funcionais, de uma vasta panóplia de doenças genéticas e outros.
Os termos desordem convulsiva e ataques cerebrais podem também ser usados como sinónimos de epilepsia; todos se referem a episódios proximais de disfunções cerebrais que se manifestam através de alterações estereotipadas no comportamento, como por exemplo abotoar e desabotoar a roupa, movimentos mastigatórios, entre outros.

Uma variedade de epilepsias têm sido categorizadas e definidas não apenas pelos tipos de ataques que as pessoas manifestam, mas também através de características clínicas associadas. Síndromes epilépticas específicas têm sido identificadas através de padrões dos tipos de crises associados à recorrência dessas mesmas crises, idade de início, sinais neurológicos em associação com sinais clínicos, resultados electroencefalográficos, presença ou ausência de casos na família e prognósticos. As epilepsias e as síndromes epilépticas estão divididas de modo geral em desordens idiopáticas e sintomáticas. As primeiras, são de modo geral benignas, no sentido em que não estão associadas a lesões cerebrais, anormalidades neurológicas ou deterioração mental. Este tipo de epilepsia é limitado e responde prontamente perante fármacos. Os factores genéticos são factores importantes a ter em conta, bem como as manifestações associadas à idade.

As epilepsias sintomáticas são aquelas em que as crises e as consequências são atribuídas a lesões identificadas no cérebro, ou a outra etiologia específica.
A epilepsia é mais do que ter uma crise, é um grupo de condições neurológicas cuja característica principal é a frequência. As crises epilépticas são manifestações clínicas que resultam da descarga excessiva, sincrónica e anormal de neurónios localizados predominantemente no córtex cerebral.

Diagnóstico


O diagnóstico de epilepsia é feito essencialmente pela conversa com o doente ou acompanhante. A descrição das crises pelo doente ou pelos seus familiares é, na maior parte das vezes, suficiente para o profissional de saúde fazer o diagnóstico de epilepsia e respectiva classificação. Torna-se, pois, importante que os doentes se façam acompanhar de uma testemunha das crises quando vão à consulta. Contudo, por vezes existe necessidade de recorrer a exames que ajudem a classificar ou determinar com mais rigor a possível causa de alguns tipos de crise. Entre esses exames é muito frequente pedir-se o electroencefalograma (E.E.G.), que avalia as descargas eléctricas cerebrais e pode ser uma ajuda preciosa na determinação do tipo de epilepsia. No entanto, o E.E.G. pode ser normal em doentes epilépticos e, por outro lado, também pode mostrar alterações orgânicas no cérebro em doentes sem epilepsia.

Epilepsia ao longo dos tempos....

Assume-se que a epilepsia é tão antiga como a humanidade. Há cerca de 3000 anos atrás, foi feita pela primeira vez uma descrição completa de um tipo de crise epiléptica: a secondarily generalized major seizure, na Mesopotâmia (novo Iraque). Já nesta altura, esta doença do sistema nervoso era representada em papiros e atribuída a uma entidade maléfica.
Foram encontrados outros casos históricos antigos no Egipto em 1600 d.C., em 1700 d.C. na China, na Índia cerca de 1000 d.C. e esculpidos numa pedra na Babilónia em 500 d.C.
Os gregos, criadores do termo epilepsia (epilhyia = surpresa, ser apanhado de repente), acreditavam que só um deus seria capaz de possuir um homem, privando-o dos seus sentidos, provocando-lhe uma queda e convulsões e, depois deixá-lo como se nada tivesse acontecido; apelidavam a epilepsia de "Doença Sagrada".

Há cerca de 2400 anos atrás deu-se a conhecer a epilepsia através do livro On the Sacred Disease, que foi o primeiro a abordar esta temática, fazendo parte de um grande corpo de trabalhos escritos de um vasto número de médicos da “ escola hipocrática”. O autor do livro, Hipócrates, pai da medicina, atribuía a epilepsia a uma consistência anormal do cérebro causada pela superabundância de fleuma. Afirmava que a causa desta doença não estava em espíritos malignos, mas sim no cérebro, desfazendo deste modo os mitos sobrenaturais. Sugeria como tratamentos uma dieta adequada e o uso de medicamentos.

Os romanos designavam a epilepsia de "Mal Comicial", uma vez que se suspendiam os comícios cada vez que um dos participantes sofria um ataque, ficando-se aguardar um sinal de bom presságio para se retomarem os mesmos. Os romanos designavam a epilepsia de "Mal Comicial", uma vez que se suspendiam os comícios cada vez que um dos participantes sofria um ataque, ficando-se aguardar um sinal de bom presságio para se retomarem os mesmos.

Curiosamente, a responsabilidade da lua ainda hoje está presente em algumas regiões de Portugal onde não se deixam as fraldas a secar, ao luar, para os bebés não contraírem a doença. Apesar de todas estas concepções fantasiosas já terem sido colocadas em dúvida por Hipócrates (460-375 A.C.), na Idade Média continuaram a aceitar-se estas interpretações sobrenaturais: exorcizavam-se os epilépticos ou praticavam-se benzeduras.

Durante largos séculos, estas interpretações permaneceram, acreditando-se ainda que a epilepsia pudesse ser uma doença contagiosa ou mental, e ainda hoje não é raro as pessoas menos esclarecidas discriminarem os epilépticos ou socorrerem-se de medicinas alternativas para combaterem os espíritos. Foi apenas em 1873 que o neurologista inglês Jackson estabeleceu que a epilepsia se devia a descargas da substância cinzenta cerebral.

Tipos de Epilepsia


Actualmente, conhecem-se mais de trinta tipos de crises. As mais comuns são a Crise Generalizada Tónico-Clónica, Ausência de Crise (petit mal), Crise Mioclónica, Crise Atónica, Crise Parcial Simples, Crise Parcial Complexa e Estado de Mal Epiléptico. A mais conhecida é a Crise Generalizada Tónico-Clónica (Grand Mal Seizure), na qual a vítima chega a perder a consciência e o corpo fica rígido após desmaiar, há uma paragem da respiração, a face fica arroxeada, podendo haver perda de urina e/ou mordedura da língua. Os braços e as pernas entram em convulsão e tremem de forma incontrolável. Estes episódios ocorrem em menos de cinco minutos. Posteriormente à crise reaparece a respiração, mas é possível que o indivíduo se sinta confuso e cansado antes de voltar à normalidade. Sabe-se que metade dos casos são sintomáticos, cujas causas se devem a mudanças anormais na estrutura do cérebro, tais como tumores, trauma ou inflamação. Contudo, noutros casos nem sempre se consegue detectar esses pormenores. Habitualmente, pode ser confundida como uma crise cardíaca ou um acidente vascular.

A Ausência de Crise (Petit Mal Seizure) é descrita como uma paragem súbita durante segundos, que por vezes é acompanhada de pestanejo ou movimentos mastigatórios. Este tipo de crise apresenta recuperação rápida, mas o doente não se recorda destes episódios. É mais comum em crianças e quando não é bem diagnosticada e reconhecida pode originar problemas na aprendizagem.

Na Crise Mioclónica apresentam-se no doente contracções musculares súbitas e maciças atingindo todo o corpo ou partes do mesmo. Não deve ser confundida com uma coordenação motora deficiente.

A Crise Atónica descreve-se como uma queda súbita, sem perda de conhecimento, em crianças ou adultos. Tem uma duração aproximada de 10 a 60 segundos. Este tipo de crise também não deve ser confundida como uma coordenação motora deficiente ou até mesmo falta de jeito.

Na Crise Parcial Simples é comum as convulsões serem limitadas a uma área do corpo, mas podem estender-se as outras áreas. Estas podem generalizar-se e provocar uma crise Tónico-Clónica. É habitual as vítimas terem sensação de formigueiro ou picada percorrendo uma ou mais áreas corporais. Também pode acontecer os sujeitos visualizarem ou ouvirem coisas que não estão presentes, acabando por descrever uma sensação inexplicável de medo ou prazer, cheiros ou gostos desagradáveis.

A Crise Parcial Complexa descreve-se como uma paragem seguida de movimentos mastigatórios e automatismos, jeitos desajeitados de mexer na roupa, agarrar ou manusear objectos. Tem a duração de alguns minutos, seguindo-se confusão após a crise que pode ser mais longa do que a própria crise, ocorrendo também amnésia para o ataque.

No Estado de Mal Epiléptico as convulsões seguem-se umas às outras, sem haver entre elas recuperação de consciência. (Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, 2006) Actualmente, um vasto número de fenómenos clínicos são reconhecidos como crises epilépticas, nas quais, a maioria delas não são bem compreendidas e podem de facto, reflectir mecanismos neuronais, que de alguma forma diferem dos processos psicopatológicos tradicionalmente considerados como epilépticos.

Podem surgir vários tipos de comorbilidades que complicam o acesso e o plano de tratamento, tais como, dificuldades de aprendizagem, deficiências neurológicas, problemas psicológicos e psiquiátricos, particularmente em grupos de idades mais avançadas.

É necessário reconhecer que no paciente afectado, as condições são inteiramente compreendidas de acordo com cada indivíduo, e é importante conhecer até que ponto esta doença afecta as capacidades e a qualidade de vida do indivíduo.

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Que fazer numa crise convulsiva?



quarta-feira, 30 de maio de 2007

Tratamento: variedades e adversidades


Tratamento

O tratamento da epilepsia baseia-se no controlo das crises epilépticas, não menosprezando a ajuda no reajustamento do doente à sua nova condição. Uma vez que as crises aparecem subitamente, é preciso manter constantemente o doente sob a acção dos medicamentos utilizados. Um único fármaco bem escolhido, numa dose bem adaptada controla completamente as crises na maioria dos doentes.

Cirurgia

Recorre-se à cirurgia quando o tratamento por medicação não surte efeito. Para se proceder a uma intervenção cirúrgica é necessário medir os riscos que esta pode acarretar, pois nem todos os doentes reúnem condições necessárias para a mesma. Este procedimento é muito delicado e exige uma panóplia de exames clínicos minuciosos para detectar correctamente se o foco epiléptico se estende ou não a mais áreas do cérebro. As cirurgias mais frequentes em serviços especializados em epilepsia são a lobotomia temporal, as remoções de lesões corticais guiadas por eletrocorticografia e as hemisferectomias. Existem ainda procedimentos paliativos que visam facilitar o controlo das crises, mesmo que não as removam por completo.

A remoção cirúrgica das áreas cerebrais responsáveis pelas crises iniciou-se há cerca de 50 anos. No entanto, com as novas técnicas cirúrgicas e com novos métodos para identificar as áreas a remover, fazem-se cada vez mais operações bem sucedidas.

Quando se pensa em realizar uma cirurgia existem algumas questões individuais a ter em conta, baseadas na história individual e familiar, nos exames neurológico e mental, nos meios auxiliares de diagnóstico, bem como numa bateria de testes pré-cirúrgicos.

A maioria dos testes destina-se a avaliar a zona onde se iniciam as crises; outras vezes empregam-se para identificar as zonas que guardam as funções da linguagem ou da memória, as quais têm de ser evitadas pela cirurgia.

Os exames mais comuns são: electroencefalograma, que regista a actividade eléctrica cerebral e identifica as áreas cerebrais onde ocorrem as crises; e a ressonância Magnética que fornece imagens do cérebro e identifica vários tipos de lesões, principalmente cicatrizes ou lesões resultantes de um défice no desenvolvimento cerebral.

Por outro lado a realização de testes neuropsicológicos (memória, linguagem e quociente de inteligência), que demonstram áreas de défice funcional, predizem a existência de possíveis falhas produzidas pela cirurgia.

Por vezes, todos estes procedimentos indicam factores favoráveis à realização da cirurgia, outras vezes não dão a necessária informação e os médicos podem decidir não recomendar a mesma.

A cirurgia pode ser feita através da remoção da área cerebral responsável pela produção de crises ou pela interrupção das vias nervosas ao longo das quais se espalham os impulsos que transmitem as crises.

A lobotomia é um tipo de cirurgia que pode ser praticada quando uma pessoa tem crises que se iniciam sempre no mesmo lobo, desde que não seja lesada nenhuma função vital. Com este tipo de cirurgia sabe-se que 65 a 85% dos doentes ficam livres de crises.

A hemisferectomia remove um hemisfério do cérebro e é usada quando existe uma lesão cerebral grave, a qual envolve esse mesmo hemisfério provocando crises incontroláveis e paralisia do lado contrário do corpo. No entanto, este tipo de cirurgia acarreta alguns efeitos secundários, tais como, fraqueza e perda de alguns movimentos na parte contrária do corpo assim como perda de visão periférica.

A calosotomia é um procedimento cirúrgico que cessa a ligação das fibras que conectam um hemisfério com o outro, impedindo a difusão da crise. É utilizada nas crises atónicas, as quais afectam ambos os lados do cérebro, não existindo nenhuma área susceptível de remoção. A calosotomia tem um risco de complicações que ronda os 20% e as crises parciais provavelmente irão persistir.

Mesmo sendo importante, uma boa relação entre o profissional de saúde e o doente para o tratamento da epilepsia, este aspecto é mais relevante quando se pensa na possibilidade de cirurgia. O paciente e respectiva família devem ser informados dos benefícios, riscos e das probabilidades de um controlo total ou parcial das crises, visto que podem existir consequências físicas e até emocionais após a cirurgia.

Normalmente, quando as crises cessam, ou são escassas, as pessoas ficam satisfeitas e felizes, mas algumas podem ficar deprimidas, não reagindo positivamente à adaptação de uma nova realidade, pois esta, é muito diferente do seu passado. Assim sendo, torna-se fulcral o acompanhamento do doente por uma equipa multidisciplinar que o ajude a ultrapassar os obstáculos com que se pode deparar.

Novo tratamento

Em 1997 foi aprovado um novo tratamento nos EUA. Implanta-se no peito do sujeito um aparelho semelhante ao pacemaker que emite impulsos eléctricos. Este sistema emite sinais eléctricos que estimulam o nervo vagus no lado esquerdo do pescoço. Para alguns este tratamento reduz a hiperactividade do cérebro após alguns meses. Contudo, mais de 5% dos pacientes ficam livres de crises subsequentes.

Novos fármacos


Recentemente, foram legalizados oito novos anti-epilépticos:

-Felbamate

-Gabapentin

-Lamotrigine

-Oxcarbazepine

-Tiagabine

-Topiramate

-Vigabatrin

-Zonisamide

Estes fármacos ainda não se encontram disponíveis em todos os países e não estão preparados para responder a todas as indicações. Apesar destas limitações, todos eles são efectivos para os ataques parciais com ou sem generalização secundária.

Os novos fármacos foram diversas vezes perspectivados como tendo vantagens superiores aos antigos mas, não existe evidência empírica que confirme que estes são efectivamente mais benéficos. Sabe-se apenas que podem ser melhor tolerados que os antigos.
A introdução de novos anti-epilépticos com diferentes mecanismos de acção levou a uma reformulação das abordagens empíricas sobre a farmacologia no tratamento da epilepsia com uma base mais científica.

Maternidade na Epilepsia


Engravidar é um direito básico de todas as mulheres. Infelizmente pacientes com epilepsia, não contavam até recentemente com este direito. O receio de declínio cognitivo e alterações comportamentais, a presença de estigmas de doença psiquiátrica e possibilidade de ocorrência de malformações, bem como a associação da epilepsia com distúrbios da sexualidade condenavam a união de pacientes com epilepsia.

Nos séculos VIII e IX, portadores de epilepsia eram frequentemente institucionalizados e tratados para a redução de seus impulsos sexuais. Até 1986 estavam proibidos legalmente de se casarem. No entanto, nesse mesmo ano, na Carolina do Sul, a realização de esterilização involuntária em mulheres epilépticas foi aceite legalmente. A falta de conhecimentos acabou por provocar discriminação nestas mulheres, que tinham pleno direito de engravidar e ter filhos. Felizmente, as melhores condições de tratamento e saúde, o melhor esclarecimento, quer médico, quer da população, têm contribuído para a redução dessa discriminação.

A epilepsia é bastante comum em aproximadamente 1% da população. Afecta tanto os homens como as mulheres, sendo o distúrbio neurológico mais frequente na prática obstétrica, ocorrendo em 0,3 a 0,6% das gestações. Nas mulheres, o tratamento das crises deve ter em consideração alguns cuidados durante a gravidez e a amamentação. O acompanhamento clínico dessas mulheres deve ter como objectivo a obtenção do controle total das crises, minimizando os efeitos adversos dos medicamentos e das crises sobre a mãe e o feto. Essas gestações são consideradas de elevado risco por apresentarem uma maior probabilidade de complicações. Observa-se com maior frequência sangramento vaginal entre 15 a 25% das mulheres e o descolar prematuro da placenta, justificadas pela diminuição das contracções uterinas e falta de vitamina K. Estudos mais recentes demonstram uma redução destes números, traduzida por uma melhoria na assistência médica.

A mulher com epilepsia também pode tomar a pílula. No entanto, alguns medicamentos utilizados no tratamento da doença em questão podem, por vezes, reduzir o efeito da pílula, diminuindo assim, a sua eficácia. Desta forma, poderá ser inevitável o recurso a uma pílula de maior dosagem, no caso da mulher não desejar engravidar, podendo recorrer também, e sem nenhuma contra-indicação o uso de outros contraceptivos. É importante realçar que em qualquer dos casos, o método contraceptivo deve ser sempre discutido com o médico assistente.

Não existe nenhum inconveniente que impeça uma mulher com epilepsia de engravidar e ter um filho saudável. Contudo, esta deve sem dúvida fazer um planeamento da sua gravidez e ser devidamente acompanhada pelo seu médico assistente. Desta forma poderão recorrer-se a algumas medidas que visam a diminuição dos riscos para o feto adjacentes da medicação, sendo aconselhável a monoterapia (tratamento com um só medicamento).

A população em geral julga que a epilepsia é hereditária. Trata-se, contudo, de mais um mito associado a esta doença. De facto, nalguns casos de epilepsia poderá haver um factor hereditário, ao contrário das epilepsias secundárias em que não existe qualquer risco de transmissão.

No caso de uma gravidez não planeada, a pessoa deve contactar imediatamente com o seu médico assistente, de modo a que este, depois de avaliar a situação, possa orientar o tratamento durante o período de gravidez. Normalmente é necessária uma maior vigilância com consultas e exames mais frequentes e mais pormenorizados.

O uso de medicação durante a gravidez acresce um risco ligeiramente maior do que na população em geral. Porém, o efeito nocivo de alguns tipos de crises pode ser mais grave do que o dos próprios medicamentos. Em caso algum, deverá ser interrompida abruptamente a medicação.

A mãe, quando medicada para a sua epilepsia, pode e deve amamentar o bebé, embora isso possibilite a passagem dos fármacos para o bebé, mas em dosagens pequenas. Esta dosagem já era transmitida através da placenta e do cordão umbilical, evitando assim as síndromes de abstinência, induzidas pela falta repentina desses medicamentos no bebé.

O mais importante a ter em conta, é que a gravidez deve ser, para além de planeada, constantemente acompanhada e vivida num ambiente de tranquilidade e de maior atenção, para que os riscos sejam os menores possíveis e para que o bebé nasça saudável. Com uma informação constante e actualizada, a discriminação pode desaparecer e os medos destas mulheres aspirantes a mães deixar de existir, devendo ser tratadas como qualquer outra mulher. A maternidade na epilepsia é possível, se o apoio estiver presente.

Cuidados a ter: Segurança na Epilepsia


Cuidados a ter na epilepsia: formas de segurança

A epilepsia é uma doença que, devido à sua imprevisibilidade e às suas características, provoca muitos receios e altera o quotidiano de quem é afectado por ela. Os riscos no dia-a-dia aumentam e devido à falta de informação sobre esta doença é difícil saber como auxiliar e como agir com estes doentes. Essas pessoas e seus familiares preocupam-se com o risco de danos provocados pelas crises epilépticas, lesões cerebrais ou inclusive, a morte.

Torna-se fundamental que o epiléptico e as pessoas com quem contacta, tenham acesso a informações sobre esta doença e sobre as formas como agir no momento das convulsões e crises. Para as pessoas com epilepsia, é indispensável o auxílio dos outros, devendo estes estar preparados para ajudar correctamente, de forma a que se sintam seguras no seu dia-a-dia.

Os métodos de segurança a utilizar dependem do tipo de crises epilépticas de que o doente sofre. Se tem crises atónicas ou convulsões, tem um risco acrescido de danos. Provavelmente o risco é mais baixo se tem episódios breves de paragens, ou permanece consciente durante as crises ou só tem crises durante a noite. Se durante a crise o indivíduo fica sempre estático, mastiga ou mexe nas roupas, o seu risco de danos é mais baixo. Se habitualmente corre ou caminha sem saber onde está, o risco é mais elevado.

Durante uma crise generalizada, deve deitar-se a pessoa no chão, colocar-lhe algo plano e mole debaixo da cabeça, desapertar a roupa apertada ao redor do pescoço, virá-la com suavidade para um dos lados para prevenir que sufoque; não se deve tentar contrariar as convulsões, nem meter nada na boca. Por fim, deve-se falar calmamente e tranquilizar a pessoa quando esta recuperar a consciência.

Durante uma crise parcial, devem-se reconhecer as características comuns: olhar parado, perda de consciência, movimentos mastigatórios ou outros movimentos faciais, piscar os olhos, confusão, dificuldade em responder a perguntas. Quem estiver a ajudar deve manter-se calmo e falar tranquilamente. Depois deve bloquear o acesso a perigos, mas sem o agarrar; se a pessoa está agitada, deve permanecer atrás dela; deve ficar por perto até haver recuperação da consciência.

A maioria das crises epilépticas não é uma emergência médica. A ambulância só deve ser chamada se uma pessoa tiver a sua primeira crise epiléptica, se a respiração normal não recomeçar após as convulsões, se existirem danos físicos ou a crise epiléptica acontecer dentro de água. Para além disso, se existirem outros problemas médicos como diabetes, gravidez ou doença cardíaca, se a crise epiléptica se prolongar por mais de cinco minutos e, finalmente, se as crises se sucedem continuamente.

Conselhos de Segurança


Conselhos de segurança na vida diária

Existem determinadas normas de segurança que o epiléptico deve seguir no seu quotidiano, assim como os que o auxiliam, para uma vida mais segura e com riscos menores. As pessoas com crises epilépticas frequentes, que acontecem sem aviso e afectam a consciência, são provavelmente as que devem seguir muitas dessas normas de uma forma rigorosa.

Segurança pessoal

É aconselhável a utilização de uma pulseira ou medalha de identificação médica, de modo a que perante uma crise inesperada, a doença seja rapidamente identificada por alguém que tenta ajudar. Os epilépticos devem evitar factores que aumentem o risco de uma crise (por exemplo, esquecer-se de tomar medicamentos, beber álcool, consumir drogas) e se sentirem que estão prestes a sofrer uma crise, devem proteger-se sentando ou deitando-se.

Segurança na casa de banho

A porta da casa de banho deve abrir para fora, visto que se alguém tiver uma crise e cair contra uma porta fechada, esta pode ser aberta do outro lado. É importante não fechar a porta à chave. As banheiras devem ter um apoio onde se possa agarrar e a casa de banho deve manter-se sempre bem ventilada e ter espelhos inquebráveis.

Segurança na cozinha

Tanto quanto possível a pessoa só deve cozinhar e usar electrodomésticos quando outra pessoa estiver em casa; quando usar o fogão, deve utilizar sempre que possível, os bicos de trás da placa; utilizar luvas acolchoadas ou tenazes quando trabalhar com um forno quente; usar luvas de borracha quando manusear facas ou quando lavar pratos e artigos de vidro; use plásticos em vez de recipientes de vidro, quando possível.

Segurança doméstica

O epiléptico deve evitar comprar móveis de arestas cortantes, deve preferir lareiras fechadas, evitar fumar ou acender fósforos, subir cadeiras ou escadotes quando está sozinho, verificar se as ferramentas eléctricas que têm em casa possuem corte de corrente automático.

Segurança no trabalho

A maioria das pessoas com epilepsia pode trabalhar sem se preocupar com assuntos de segurança. Porém, alguns trabalhos são mais arriscados se as crises epilépticas forem mais frequentes e se envolverem perda de consciência ou acontecerem sem aviso. Embora seja difícil, a pessoa deve ser capaz de revelar aos seus colegas de trabalho que tem esta doença, assim como informá-los dos primeiros socorros numa crise epiléptica pois esta é uma forma de acalmar os medos e corrigir qualquer ideia errónea.

No contexto laboral a pessoa deve tentar organizar o seu horário de modo a não estar muito tempo sem dormir, deve evitar a exposição à luz se for sensível, se for uma pessoa demasiado ansiosa e tensa.

Segurança nos transportes

A carta de condução só deve ser permitida se conduzir mediante autorização médica, se andar de bicicleta use um capacete, joelheiras e cotoveleiras, se é habitual perder a consciência durante uma crise epiléptica é aconselhável viajar acompanhado, deve evitar as escadas rolantes ou escadarias se estiver sozinho, deve utilizar o elevador em vez de escadas.

Primeiros socorros na crise epiléptica dentro de água

O acompanhante deve apoiar a cabeça e manter a face fora de água. Depois, deve trazer a pessoa até à margem e virá-la de lado. Executar a respiração artificial se ela não estiver a respirar e pedir ajuda ao 112.

Segurança das crianças

As crianças são mais vulneráveis a esta doença, sendo que o risco maior para o bem-estar de uma criança pode ser a superprotecção dos pais que tentam prever todos os riscos e danos. Estes devem procurar um equilíbrio entre segurança e superprotecção. Alguns dos conselhos que se seguem podem ajudar, dependendo da idade da criança, do tipo e da frequência das crises. Um monitor de bebé no quarto da criança pode alertar os pais para a ocorrência de uma crise. A criança deve dormir no beliche de baixo, numa cama normal, num divã ou até mesmo num colchão no chão, uma vez que são os lugares mais seguros para a criança dormir. Se a criança tiver um Episódio de Estado de Mal, os pais/responsáveis devem perguntar ao médico assistente o que fazer e certificarem-se que toda a família sabe como proceder.

Estigma


A epilepsia é mais do que uma doença que atinge o indivíduo na sua esfera pessoal e meramente física. Esta afecta-o, também, na possibilidade de se relacionar socialmente, de uma forma dita normal, em várias vertentes da sociedade, por exemplo no trabalho.

O estigma é um conceito central na literatura social sobre a epilepsia. A palavra estigma provém da época grega, que correspondiam a sinais usados pelos gregos para marcar escravos, criminosos, e outras pessoas marginalizadas. Os sociologistas definiram estigma como um atributo pessoal que marca alguém como sendo mais ou menos desejável. A palavra é também usada para definir as reacções negativas que as pessoas têm quando se deparam com aqueles que consideram indesejáveis.

As manifestações físicas da epilepsia levam a fortes reacções emocionais e sociais, ambas manifestadas através da opinião e das atitudes que as pessoas têm acerca da doença, e, mais importante, as reacções comportamentais à mesma. Compreender a origem e a natureza do estigma sobre a epilepsia é crucial, mas não suficiente para resolver os diferentes problemas sociais com que os indivíduos com epilepsia se deparam.

Numa sociedade dominada pela necessidade de ser reconhecida e ser economicamente produtiva, doenças ou problemas médicos, tais como a epilepsia podem interferir com a vida social, assim como, por exemplo, a mitologia e o sobrenatural o fizeram anteriormente.

Deste modo é necessário que se evolua para uma abertura ao conhecimento, manter uma perspectiva objectiva e não subjectiva, de forma a olhar para a epilepsia como um problema, mas não uma doença contagiosa. Portanto, para possuir uma mente aberta em relação ao diagnóstico e a toda a informação que lhe está subjacente é necessário:

· Estar ciente que o diagnóstico da epilepsia pode ser difícil e que o mesmo é interpretado, pelos médicos e pelos pacientes, de forma diferente.
·Estar ciente que os interesses dos pacientes se podem opor ao tratamento.
· Considerar a família e a rede social de um paciente como uma importante fonte de suporte ou desencorajamento para o tratamento médico e a aceitação social e psicológica.

Para além destas medidas, para os entendidos, na redução do estigma e suas manifestações, outras medidas podem ser empreendidas. Contanto que as pessoas com epilepsia, mais ou menos grave, continuem a esconder a desordem, a sociedade continuará a associar a doença apenas às crises mais severas e outras inabilidades.

Discriminação

A epilepsia pode conduzir a diferentes formas de discriminação, o que em si pode causar estados depressivos nos indivíduos. No entanto isso tem sido considerado como secundário, dando especial atenção ao controlo da doença, à medicação e ao acompanhamento médico, negligenciando-se grande parte das vezes a sua componente psicológica – não se tem em conta o indivíduo em si próprio mas sim uma generalização da doença. Assim, os tratamentos puramente médicos são acusados de serem generalistas e de não atenderem às especificidades de cada ser e os psicológicos são acusados de ser demasiado individualistas. Por tudo isto se considera que um acompanhamento eficaz só será possível se a doença for analisada sob a perspectiva de diferentes profissionais.

Urgente: Evolução e apoio precisam-se!


Um item importante que exige urgente atenção prende-se com o facto de a maioria das pessoas com epilepsia viverem em países subdesenvolvidos, onde a gestão da epilepsia é inconsistente. Subsiste uma enorme falha no diagnóstico em grande parte do mundo, devido aos poucos profissionais nesta área e às escassas acessibilidades médicas. Deste modo, permanece uma grande lacuna nos países subdesenvolvidos que tem de ser urgentemente solucionada.

No entanto, será inevitavelmente um processo moroso, uma vez que requer muitos esforços. Para além disso, é também essencial discutir a relação entre o diagnóstico e o tratamento da epilepsia, perspectivado no mundo desenvolvido.

O trabalho dos psicólogos em conjunto com os profissionais de saúde médica seria uma ajuda fundamental no sentido de alcançar uma acção qualitativa e quantitativamente mais eficaz. Estes conjugados com a preocupação e ajuda política seria a potencial solução para esta questão. Há que agir e ajudar!

Entrevista à liga Portuguesa Contra a Epilepsia

No dia 17 de Abril de 2007 visitamos a Liga Portuguesa contra a Epilepsia, no sentido de aprofundarmos um pouco mais o nosso conhecimento sobre este tema. Esta actividade foi realizada principalmente para termos uma perspectiva mais clara sobre o que actualmente se realiza para ajudar as pessoas com esta dificuldade, o quê e como as auxiliar, entre outras actividades. Contactamos com as restantes Instituições de Epilepsia, no entanto todas elas pertencem à mesma organização, tendo sedes em Lisboa, Porto e em Coimbra. Pelas facilidades de deslocação e porque todas as sedes seguem, obviamente, a mesma linha de base, entrevistamos a psicóloga, Dr.ª Cristina Cunha, da sede de Coimbra.



Entrevista


1-Que tipos de actividade é que realizam na Liga?

Dr.ª C.C.: Têm-se desenvolvido esta instituição há pouco tempo, entrando num contacto maior com as outras sedes. Fazem-se consultas de epilepsia para crianças e jovens adultos, workshops, colóquios, num sentido de polarizar e incrementar os conhecimentos sobre a doença, visto que ainda existem muitas ideias erróneas por parte da maioria das pessoas na actualidade.

2-Que tipo de informação se pode fornecer à população em geral?

Dr.ª C.C.: Por exemplo, fizemos há pouco tempo um ciclo de Conferências e Debate no IPJ sobre a Epilepsia e generalidades. É uma forma de divulgação. Há um ano atrás, realizaram-se mensalmente colóquios, até o mês de Julho. Existem também grupos de voluntários que informam as pessoas, distribuem panfletos, vendem peças de cerâmica no CEARTE para angariação de fundos, entre outras actividades.

3-Como é que a população em geral vê/aceita a epilepsia?

Dr.ª C.C.: As pessoas têm ainda muito pouca noção do que é esta doença. Muitas vezes confundem epilepsia com esquizofrenia, o que é completamente errado, visto que se trata de uma doença mental nada relacionada com a epilepsia. Associam também muito aos mitos, correspondendo as crises ou ataques epilépticos ao oculto.

4-Existem mais Ligas ou associações? Procuramos, mas não encontramos mais nenhuma.

Dr.ª C.C.: Não, neste momento somos só nós. No entanto, estamos a tentar transferir a Liga para a EPI. O objectivo é ser uma associação de doentes. Estamos a dar os primeiros passos com um objectivo muito mais social preocupado com aspectos individuais e das pessoas que fazem parte da vida dos doentes.

5-Que tipo de actividades é que desenvolvem nesta associação?

Dr.ª C.C.: Sessões de formação em escolas básicas, secundárias e superiores (a infância e adolescência correspondem ao pico da activação de epilepsia e os colegas e professores, muitas vezes mal informados sobre a epilepsia acabem por discriminá-los); grupos de ajuda mútua aos sábados de manhã, atendimentos individuais, serviços de ajuda, tais como apoio vocacional, acompanhar utentes mais inibidos ou com dificuldades, procura de emprego, etc.

6-Procura de emprego? Porquê? Existe muita dificuldade?

Dr.ª C.C.: Sim. É muito difícil porque estas pessoas são muitas vezes menosprezadas ou discriminadas. Elas mesmas têm receio de informar que possuem essa doença durante a entrevista, sob pena de perderem imediatamente a oportunidade de emprego, já para não se falar do medo de ocorrer uma crise durante o trabalho.

7-Qual é o tipo de epilepsia mais comum?

Dr.ª C.C.: Epilepsia parcial complexa. A pessoa não precisa necessariamente de convulsionar, mas por algum motivo ou lesão cerebral, têm crises parciais que afectam uma parte do corpo e não têm noção disso porque perdem a consciência. Por exemplo, abotoam, desabotoam, mastigam, comportamentos repetitivos, etc. Muitas pessoas não têm noção disso e acabam por discriminar estes doentes.

8- Em situações de crise/convulsão como o que se deve fazer para ajudar?

Dr.ª C.C.: No momento deve-se colocar a pessoa numa posição lateral de segurança (os músculos estão relaxados e por isso a língua cai também para o lado); nunca se deve colocar nada na boca e se tiver roupa apertada, deve-se alargá-la.

9-Maioritariamente, que pessoas é que se dirigem à Liga?

Dr.ª C.C.: Jovens muito incapacitados, jovens adultos, crianças e jovens com epilepsia é difícil encontrar. Estão na fase de negação, não aceitam a presença da doença.

10-Como é a primeira vez que cá vêm? Que tipo de auxílio é que requerem?

Dr.ª C.C.: Na maior parte das vezes são as próprias pessoas com epilepsia que telefonam. Presencialmente vêm acompanhados do pai e/ou filho.

11-Houve algum caso mais marcante?

Dr.ª C.C.: Há de facto casos que ficam na memória. O avanço, a forma como aceitam a doença, a evolução pessoal, os ganhos… Por exemplo, uma rapariga, já depois de ter aceite a doença, depois de muito progresso, um dia estava a falar comigo e disse: “olhe, no outro dia tive uma crise” e riu-se com muita normalidade. É bom sentir essa evolução.

12-E os familiares dos pacientes como reagem a esta doença?

Dr.ª C.C.: Necessitam de muita ajuda. Os pais têm um momento de evitação e negação quando sabem que ele tem o problema. Super protegem com medo de uma próxima crise, e por isso começam a proibir de sair de casa, com as colegas… A associação desmistifica essas ideias, ajuda os pais a entenderem isso, saber distinguir o que é prejudicial ou não.

13-Sendo assim existem fortes consequências sociais e individuais…

Dr.ª C.C.: Sim, existem. Quando num determinado assunto ou situação nos é desconhecida, temos tendência a recear, a pessoa afasta-se e discrimina. É complicado muitas das vezes. Daqui resultam duas grandes sintomatologias psicológicas: quadros de ansiedade e depressão. A imprevisívilidade de uma crise causa receio na pessoa porque ela não sabe quando é que irá voltar a acontecer. Sucede daí uma ansiedade excessiva e para além da ansiedade normal que todas as pessoas experimentam, os epilépticos ficam ainda mais ansiosos com o medo de voltar a ter crises. Por exemplo, o caso de uma rapariga que desenvolveu crises de pânico pelo receio de não saber em que momentos poderá acontecer uma crise.

14-Actualmente a cirurgia é uma óptima solução. Há muita acessibilidade?

Dr.ª C.C.: Depende muito do local onde se encontra a lesão. Mas maioritariamente utiliza-se o tratamento de fármacos. O acesso à cirurgia é fácil, feito em hospitais públicos. Sempre que é possível, realizam-se.

15-Existem diferenças significativas entre sexos, quanto à presença de Epilepsia?

Dr.ª C.C.: Não há muita. Em Portugal existem 50 a 70 mil casos.

16- Um dos temas que nos chamaram a atenção foi a maternidade e epilepsia. O que nos pode dizer quanto a este tema?

Dr.ª C.C.: O que muitas vezes acontece é que as mulheres, mesmo controladas a nível de epilepsia, quando decidem engravidar, têm mais crises na altura. É uma questão complicada e por isso muitas vezes a mulher põe em causa engravidar. No entanto, isso nunca deve ser posto em causa. Tem que se fazer um acompanhamento e um forte planeamento familiar. Ginecologistas e neurologistas têm de comunicar entre eles de forma a fazer uma mediação adequada às alterações hormonais. Mesmo com a epilepsia controlada, existe um período de crises com maior frequência, para além de que vivem numa ansiedade muito mais activa.

17- E no que diz respeito à epilepsia e a condução?

Dr.ª C.C.: Segundo a legalização tem que estar dois anos sem crises para não poder conduzir. Não distinguem os diferentes tipos de epilepsia. Colocam todos no mesmo saco. Existem pessoas que têm crises somente durante a noite. Nesses casos, podiam conduzir durante o dia, mas não durante a noite.